terça-feira, 20 de abril de 2010

O 'show do eu' na contemporaneidade

Olá! Hoje me dirijo a vocês para falar e refletir sobre um traço que vem se proliferando na sociedade contemporânea: a individualidade.

Ao meu ver, tal fenômeno não pode ser circunscrito como mera vaidade ou um problema emocional, psicológico, ou até mesmo uma patologia que afeta a alguns. É, na verdade, uma característica da sociedade atual, que atravessa toda a nossa cultura e vem dando uma nova forma a maneira de trabalhar, amar e estar no mundo.

Já não nos regem a devoção ao dever cumprido ou mesmo o temor ao castigo; para o bem ou para o mal, estamos sendo regidos pelo respeito às buscas individuais, direito à diferença, estímulo à criatividade, flexibilidade, descrédito ao autoritarismo e o fomento ao diálogo. Esses são os prós desse fenômeno.

Agora vamos aos contras: vivemos calcados numa fantasia de êxito e beleza ilimitados, demandas de permanente admiração, obsessão pela imagem, descrédito e desvalorização do outro, dificuldade em escutar aos demais, ansiedade, exibicionismo e ausência de momentos para introspecção. Ou seja, estamos falando de uma sociedade Narcísica.

Todas(os) já devem conhecer o mito de Narciso, tão bem explorado na teoria psicanalítica. A formação da personalidade necessita, para a estruturação do eu, fortalecer o amor por si mesmo, com o objetivo de defender, fortalecer e consolidar esse eu. Isso acontece nos primeiros meses de vida e é o que vai possibilitar a constituição da personalidade, a percepção de si como uma unidade, o rudimento de uma subjetividade que irá se tornando mais complexa pouco a pouco. O calor das experiências familiares, a escolarização e incorporação de valores, da cultura.

Os problemas ocorrem quando exacerbam os mecanismos utilizados para defesa, fortalecimento e consolidação do eu. Aparecem, então, notas de uma personalidade arrogante, com fantasias de poder, êxito inesgotável, necessidade de reconhecimento, admiração, intolerância à crítica, dificuldade em ouvir e reconhecer as necessidades do outro.

A novidade nos processos sociais atuais é que a produção da subjetividade está se modificando. O ser contemporâneo cultua a originalidade, a busca do prazer, a ordem de ser feliz, belo, de divertir-se. Tudo pode. Essas ordens têm um tom de sedução, amabilidade e beleza de Narciso. Porém, não nos esqueçamos: são ordens! E pior: impossíveis de cumprir. "O tudo posso" tem um avesso obscuro que é " o nada posso".

Sabemos que um só existe em relação ao outro. Mesmo a ideia/ ordem seja vc mesmo, depende do outro!

Esse inchaço do eu, que hoje prolifera e que em outras épocas (não muito remotas), se considerava falta de elegância ou mesmo de pudor, um tipo de patologia mental, encontra guarita no ambiente altamente competitivo onde prima a eficácia e desempenho visível de cada um. Auto-exposição, saber vender-se, posicionar o eu como uma marca leva à conquista do "ser alguém".

Por menos que se procure, deparamo-nos sempre com o "show do eu". Não importa nada nem os demais. Nem mesmo a atividade que se desempenha. Ignora-se, tragicamente, que as poucas satisfações que nós humanos podemos ter dependem de tê-las com os outros. Pois as que temos solitariamente são efêmeras e tendem a se apagar com o tempo.

Parece-me que essas são as características dessa época! Sem dúvida, que as rupturas, as crises institucionais que antes davam sentido à vida social e comunitária, assim como a família tradicional, a escola, entre outros espaços, hoje cedem espaço a "individuação". E isso leva a a pessoa a tomar decisões, por seu próprio risco.

Muitas vezes, contando com a coragem e energia individuais. Reforçando a auto afirmação do indivíduo, em detrimento do bem comum. Marcando a instabilidade em todos os níveis (afetivos, educativos, econômico). Cria-se, dessa forma, uma situação em que só estão aptos os extrovertidos, autônomos, megalômanos. Enfim, pessoas convencidas de que podem tudo! Não quero dizer que no passado tudo era melhor. Mas penso ser importante prestar atenção no desenvolvimento de um narcisismo mortífero, que mata por levar a solidão da alma, por não se conseguir querer a ninguém, mais que a si mesmo. Por isso é importante juntar-se ao outro. Saber que só não se pode!