segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A culpa

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Hoje me deterei sobre um sentimento recorrente nas famílias e especialmente vivido pelas figuras parentais.

Melhor informados que nunca, os pais têm tremenda responsabilidade. Procuram dar o melhor de si para fazer face às demandas dos seus filhos. Porém atender à lista de tarefas é impossível. Então, a culpa carcome os mais conscientes e é um sentimento com o qual os pais estão intimamente familiarizados.

A clínica nos comprova que quem foi criado em um entorno culposo tem a tendência de sentir-se assim quando adulto. Aprendem a sentir culpa numa idade precoce e este conceito continua a menos que seja confrontado. Tem mais: os pais com esse tipo de antecedentes são mais propensos a utilizar as culpas dos seus filhos para obter deles o que precisam. “Deverias ter vergonha” é uma reprimenda vinda dos pais que cala fundo na auto-estima da criança.

Nem todos pensam tratar-se de um sentimento daninho. Um experimento da Universidade IOWA identificou os mecanismos que ajudam as crianças a converterem-se em adultos capazes de serem respeitosos e terem consideração. Em verdade, foi aplicado um teste que consistia em entregar a uma criança, um brinquedo supostamente valioso e era-lhe explicado que aquele brinquedo havia atravessado gerações. Previamente, o brinquedo havia sido danificado para que ao pegá-lo este se quebrasse nas mão da criança. Soa cruel, não? Mas o propósito não era de cimentar.

Uma personalidade traumatizada, mas de medir este sentimento, passível de ser descrito como “um aperto no estomago”. O usual é que a culpa passe a fazer parte de nossa vida, por volta dos dois anos. Segundo Grazyna Konchanska, que vem estudando o desenvolvimento infantil nos últimos 20 anos (também em IOWA) se demonizarmos a culpa, estaremos frente a seres incapazes de sentir empatia, como acontece com os psicopatas.

Ainda que menos grave, uma baixa capacidade de considerar o outro se instala nessas crianças que ferem seus companheiros de classe ou seus brinquedos. O temperamento que trazem desde os dois anos predispõem alguns a experimentarem a culpa. Entretanto para outros esta emoção vai apoderando-se deles como conseqüência de sua matriz formadora. A culpa colabora com o controle de impulsos.

Não obstante, pesquisadores de outra universidade (George Mason) fracassam no propósito de conseguir unir as habilidades dos pais para criar filhos com os mesmo níveis de culpabilidade que eles mesmos traziam.

June Tangney, psicóloga, destaca no artigo A chave é diferenciar a vergonha da culpa: “A culpa pode nos soterrar do ponto de vista do comportamento, mas também pode ser produtiva”. Segundo ela, a maioria das crianças não distingue entre “Filho fizeste algo mau!”; “Filho você é mau!”. Tendem a ouvir: “Menino mau!”

Vale salientar que a culpa não é algo específico dos pais. Normalmente, quem sente que tem uma tarefa pela qual é responsável e as coisas não saem como ele ou as outras pessoas esperam, a primeira coisa a fazer é acusar-se. Nos pais isso se acentua, porque o que está em questão é uma pessoa que ademais é seu filho.

Existem dois planos possíveis de auto-acusação: um real e um imaginário. Um muitas vezes se incrimina por haver feito coisas que estão somente dentro da cabeça: "Olhei e então aconteceu tal coisa!” Porem isso é algo que só funciona internamente, impossível de demonstrar. A outra culpa, a real,s e processa de maneira distinta: sente-se culpa por coisas que derivam do que o objeto em questão significa para eles. Por exemplo: pais em relação aos filhos. Certamente, a maior parte ama seus filhos, porém todo ‘querer’ é ambivalente. Quero dizer que aglutina sentimentos contraditórios, ou seja, ama-se o filho, mas também tem-se raiva que esse filho tenha uma vida que vai sucede-la, que vai ser mais extensa, que vai ter experiências que os pais não chegaram a ter.

Surge a seguinte questão: A culpa pode ser provocada pela inveja? Provavelmente é sua grande fonte! Isso que dizer que mesmo escandalizando boa parte da população de pais, eles invejam seus filhos! Porém, não é menos correto afirmar que os filhos invejam os pais!
Afinal o que se quer dizer com a palavra I N V E J A, neste caso? Fala-se de um mal estar, uma raiva diante do que tem o outro. Ter no sentido de possessão material, mas também em qualidade. Mesmo que não haja um valor objetivo. Por exemplo: raiva, inveja da independência do outro.

Observamos assim pais repletos de culpa quando as coisas saem mal para os filhos, ou com eles. E muitas vezes, num processo inconsciente se transforma o sentimento em atos.
Amy Chua, rofessora de Direito em YALE escreveu um polemico livro (Hino de batalha da mãe tigre) em que defende: “se uma criança não consegue boas notas é por culpa dos pais que não conseguiram educá-la corretamente”.

“Não assuma que seu filho é débil. Ou que não pode lidar com qualquer coisa”.
“O que os pais chineses entendem é que nada é divertido até que se acerte fazê-lo bem.”
“Para ser bom em alguma coisa tem que trabalhar. E as crianças por si mesmas nunca querem trabalhar, por isso é crucial ignorar suas preferências.I sto freqüentemente, requer força de vontade por parte dos pais, porque a criança resistirá.”

“As coisas são sempre mais difíceis no começo, que é quando os pais ocidentais tendem a render-se. Porém se é bem feita a estratégia gera um círculo vicioso: Prática tenaz, prática e mais prática,i sso é crucial para a excelência do fazer.”

Ameaças como, doar todos os brinquedos à instituições de caridade, fazem parte do método de Chua,claramente distinto do que reina no ocidente, desde o pós guerra, quando crianças passam a ser o centro da casa e os pais os responsáveis por qualquer eventual contratempo.

Gostaria aqui de lançar um olhar sobre a culpa que se esconde por trás da permissividade.
A criança passou de um ser esquecido para a condição de ‘umbigo’ da casa.Todos(as) estão ao seu serviço.Deve-se protegê-los e dar-lhes todas as coisas possíveis .Os pais muito freqüentemente tornam-se escravos dos filhos.Qualquer desejo dos filhos devem ser satisfeitos ,por medo ao dano que possa causar . Além disso os pais procuram se treinar,fazer cursos,ler livros especializados,etc. Até ai,todo bem! O problema é que na prática fica difícil saber em que momento aplicar tais conhecimentos.

Converter a criança em um ditador da casa, pode ser uma estratégia para evitar sentir-se culpados.Não estariam assim subtraindo dos filhos ,a capacidade de desenvolver a própria culpa e resistir a frustrações?

Está latente, ao mesmo tempo,o medo de não ser tão bom pai/mãe como se aspira,o orgulho próprio e a eventuais acusações dos outros,Assim como,o sentimento de competição com outros pais.

Não podemos esquecer que além dos possíveis conflitos com seus filhos o pai e/ou a mãe, também tem conflitos com seus próprios pais.è fácil observar os jogos de disputa e rivalidade entre eles:”Eu sou muito melhor pai/mãe que meu pai/mãe.” Assim podemos nos sentir triunfando diante do pai/mãe.Esse triunfo arruína a imagem do pai/mãe.E pode levar a culpa por haver exagerado nos defeitos deles e nas próprias virtudes.A culpa esta em tudo.É um tema que remete ao passado e avança no futuro,perpassando todas as relações que envolvem as figuras parentais.

Por fim, um trecho da letra de uma música de Paulinho Moska, O Jardim Do Silêncio,c omo uma proposta para reflexão:

A VIDA NÃO PEDE LICENÇA
E MUITO MENOS DESCULPA.
O PERDÃO É QUE FAZ POSSÍVEL
O NASCIMENTO DA CULPA.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

SÓ OU ACOMPANHADA (O)?

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As pessoas da nossa época tendem a estar cada vez mais consigo mesmas.Os vínculos vêm mudando. Os projetos de vida atuais pouco têm a ver com os perseguidos em outros tempos. É que como já sabemos, as relações de gênero mudaram ao ponto de desbancar o modelo de casal tradicional. Sem dúvida, ainda que tenhamos assistido a giros de noventa graus,esta transformação não chegou ao seu fim.

A psiquiatra francesa Mary-France Hirigoyen afirma que quanto aos laços pessoais, a solidão se transformou num traço próprio desta época.
Este fenômeno social, sobretudo nas grandes cidades, cria um paradoxo: “por um lado nos dizem que a solidão é um dos males do século e que precisamos criar vínculos e comunicarmos a qualquer preço; por outro nos é exigido a autonomia.”

A contradição excede a teoria para palpar-se nos fatos. Mesmo nessa era dominada pela comunicação e na qual as relações entre indivíduos são permanentes, existe um grande número de pessoas com o doloso sentimento de solidão. O curioso é que cada vez mais se escolhe viver sem companhia.

É sabido que a autonomia das mulheres tem influído notoriamente na maneira de vincular-se com os homens. Suas conquistas nos campos econômico e sexual lhes abrem portas para a independência e já não se mostram tão dispostas a renunciar a isso para embarcar na vida de casal. Assim, os laços amorosos fusionais têm cada vez menos espaço e o efêmero ganha terreno.
Quando a vida a dois deixa de brindar a segurança de outros tempos, voltar-se para o trabalho torna-se uma opção atrativa. Porém aqui, há tampouco uma satisfação plena, já que a organização laboral atual produz mais solidão.

Mary-France em seu livro As novas solidões não tem dúvidas ao afirmar que “cada um tem que velar por si mesmo.” E que “não existe nenhuma solidariedade entre colegas”.
Como se fosse pouco, esta sociedade julga as pessoas pelos seus êxitos materiais,tornando o consumo vital para existência.

Para o filósofo Gilles Lipovetsky, “seriam as frustrações que levariam os indivíduos a consumir tanto.Quanto mais se multiplicam as contrariedades da vida privada,mais se desencadeia o consumismo,como consolo, satisfação compensatória ou como meio de levantar o moral.”
A má noticia é que tudo isso está a “quilômetros” de satisfazer-nos. “Apesar de uma melhor qualidade de vida e dos modernos instrumentos de comunicação, não diminuem o mal estar anímico e o isolamento vem aumentando.”

Nem a internet nos transporta à salvação esperada. A multiplicação das redes sociais e dos sites de encontros não necessariamente estreitam os laços, já que ali também o indivíduo se encontra como um em meio à multidão de iguais. Difícil diferenciar-se.

Os vínculos pessoais que tomam forma na sociedade moderna se naturalizam com o passar dos anos; porém, algumas conotações perduram. Não por acaso a solidão continua arrastando uma imagem negativa.Temos pena de uma pessoa só, lamentamos que não tenha encontrado ninguém que a acompanhe na sua caminhada pela vida. E se imagina seu tédio, sua depressão e sua frustração.

E os verdadeiros solitários, aqueles que não vivem nenhum desses sintomas, apenas não se atrevem a mencionar seu estado porque temem a imagem negativa que sua situação pode trazer-lhes. Podendo proteger-se de comentário ,tipo: “pobrezinha, não consegue namorado(a)”ou “com este temperamento,vais terminar sozinho(a)”.

Na realidade, o sentimento de solidão é uma noção subjetiva. É possível sentir-se só na multidão, na família ou mesmo no casamento.
“Se trata de um sentimento de vazio interior que não corresponde à necessidade de companhia e sim a sensação de estar desconectado do mundo, de ser incompreendido. No fundo, é a aguda consciência da situação de ser humano, diante de si mesmo e da morte”.

Como em sociedades modernas, as pessoas se encontram para não enfrentar seus medos. Aqueles que desfrutam da solidão são vistos como estranhos!

Conheço inúmeras pessoas que não se entendiam quando estão sós. Escolhem ler, fantasiar,escutar música. Porém, assim como há quem se enriquece com os momentos solitários, existe também a solidão penosa e desesperada. As vivências são bem diferentes.

Nota-se nas estatísticas do recenseamento, que nos últimos 30 anos houve a tendência de duplicação do número de pessoas que vivem sós em suas residências.Tanto é assim que existem empresas, atualmente, que buscam cativar uma fatia do mercado chamada Single.Pacotes turísticos, cafeteria, comidas elaboradas são algumas das campanhas publicitárias voltadas ao publico que vive só.

Os vínculos de casal alternativos ao matrimônio fazem cada vez mais sombra à união tradicional. “No século 13 assitiu-se ao surgimento do amor romântico. Desde então, as pessoas se casam com mais freqüência porque se amam. Porém, a partir da década de 1990, as coisas voltaram a mudar: já que existe amor, por que casar-se? A instituição já não é o casamento e sim o amor, que se converteu na condição indispensável para a vida em comum”.

Neste contexto, não é surpresa que se tornou complicado construir, ter vínculos fortes e duradouros. É que a exigência do amor debilita o casal, porque se a relação se constrói só sobre sentimentos é difícil que agüente o passar do tempo. Se veria obrigada a ser sempre bela e mágica, coisa que pouca vezes acontece. Por isso , se a relação se degrada, se produz aos poucos a ruptura. Esta supervalorização do amor é, na maioria das vezes, uma reação frente ao mundo individualista.

Pesquisas somadas às histórias de vida que se escutam nos consultórios levam a concluir que o individualismo declara guerras aos laços mais íntimos. E nisto o amor próprio tem um papel relevante. “O amor colocado no centro das relações é narcisista: amo essa pessoa porque adoro a imagem de mim mesmo que ela ou ele me devolve. O que implica que se outro atravessa uma má fase, já não me devolverá essa imagem gratificante, então sairei a busca de outra companhia que me permita continuar em meu pedestal.” Isto equivale dizer que esse é um casal que busca a realização pessoal através do outro, mais que a construção de uma relação.

Assim, o ponto final das relações se encontra cada vez mais perto. De fato, a duração dos vínculos é uma das mudanças mais importantes que tem como protagonista o casal da contemporaneidade. “Se o outro não satisfaz, a desafeição é rápida”.

A visão do sociólogo Zygmunt Bauman traz maior clareza ao sustentar que existe uma tendência a tratar seres humanos “como objetos de consumo e a julgá-los como se julga tais objetos, pela quantidade de prazer que podem oferecer”.
Queremos o melhor ao menor custo. Quando o outro já não cumpre as expectativas, é devolvida à fabrica, ainda que tenha expirado o prazo de garantia. E se o assunto é separação, as mulheres assumem papel relevante, pois três em cada quatro pedidos de separação se produzem por iniciativa feminina.

Após uma separação, é importante reconstruir-se só, sem um par que sirva de muletas, pois o ariscar-se em reparar um mal estar interior, introduzindo-se qualquer um(a) imediatamente na própria vida. E esta não é a única razão pela qual devemos aprender a andar sós. Se trata de um recurso que nos permite estar em contato com os próprios sentimentos, desenvolver a imaginação criativa e suportar melhor a perda, o luto.

Sabemos que se aproveitarmos essa oportunidade, a aprendizagem é garantida.Mesmo para aqueles cujas mães não foram presentes e nem souberam se ausentar, dificultando a vivencia da perda de maneira madura.

Não é a solidão que causa dor, sim a ausência de ser amado!!!

Perder um amor não tem que se tornar uma catástrofe irremediável, pelo contrário, o simples fato de havê-lo vivido deveria ajudar a recuperar-se.

Soa simples, né? Porém, na prática,é mais difícil que parece. E isto é justamente uma conseqüência do mundo que vivemos: se valoriza viver com alguém, portanto não há suficiente espaço para a solidão!

Sem dúvida frente ao frenesi desses tempos, começa-se a vislumbrar-se uma necessidade de espaço próprio, algo que vá alem do viver só, em família ou em casal. “O importante é conceder-se momentos e lugares para um, porque ama-se.Amar o outro também é aceitar sua parte inacessível”.

“A solidão é audaz, é perigosa”,afirma Hirigoyen. “Às vezes atua como uma droga que causa dependência. Porém não deve-se confundir essa eleição com rejeição ou indiferença diante dos demais, sim um distanciamento que em nossa época pode ser equivocadamente interpretado. Isto não exclui a presença do outro, porque se estou em paz comigo mesma me torno mais disponível.”

É aqui que se abrem novos caminhos de socialização: privilegiando relações desinteressadas, profundas para não reduzir-se às relações de trabalho e sexo.
Neste novo modo de vida, haverá varias pessoas importantes para uma, não haverá uma única.
Por isso, é que baseado em estudos sobre tipos de relação, precisamos saber identificar e se preciso for ajustar essas formas para melhorar nosso desempenho interrelacional.
Vamos aos diferentes modelos de casais hoje:

FUSIONAL:

Aqui os conjugues fazem tudo juntos; se trata e um modo de relação alienante, mas que gera sensação de segurança. Neste modelo, característico de gerações precedentes, o perigo é que um se sinta devorado pelo outro e tenha a sensação de perder sua autonomia. Na fusão nenhuma boa solidão é permitida.

AUTONOMIA LIMITADA:

Nestes casais a dinâmica relacional não deixa-se invadir pelas regras. Se busca amor, porém sem algumas obrigações.
Os conjugues conservam contas bancárias diferentes, redes de amigos distintas e as vezes tiram férias separados. Em princípio, persiste uma exclusividade sexual e afetiva. Se um terceiro se imiscuí na relação, salvo exceções, aquele que se sentiu traído terá grande dificuldade de voltar a confiar e se inclinará para o modelo fusional ou ainda torna-se palpável à eleiçãopela solidão.

NÃO CONVIVÊNCIA:
No extremo oposto do casal fusional, alguns sentem necessidade na intimidade de desfrutar de um espaço próprio. Por isso diante da dificuldade de viver juntos o dia a dia, alguns casais, jovens ou cinqüentões, decidem não conviver sob o mesmo teto.
No início da relação, quando um dos dois mora em outro país, ou quando se tem uma vida independente que não se quer renunciar, optam por este tipo de vínculo.

OUTRA FORMAS:

Casamento de três, ou triangulares, que permitem conciliar a bissexualidade; ou ainda relações abertas, que experenciam uma liberdade sexual completa; e as relações em que a fidelidade se situa na duração do contato.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Alô papai!

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Por Mônica Caluete

Quando se trata de educar os filhos, costuma-se escrever, falar e imputar responsabilidades, praticamente exclusivas, ao papel de mãe. Certamente mais um fruto da cultura machista!

Nessa realidade, culpabiliza-se a mãe e exila-se o pai no processo de educação dos filhos.

É verdade que essa cultura vem, pouco a pouco, sendo transformada.E é para esses novos pais que dedico essa reflexão.

Não existem fórmulas para jogar o papel de pai na vida - tanto quanto o papel de mãe. E as idealizações não logram bons resultados. Porém, só o fato de tentar se envolver já é uma clara mensagem de amor.

Comecemos por lembrar que a paternidade é algo mais que a possibilidade de ser fértil e ter capacidade de procriar!

É preciso assumir a responsabilidade primaria do amor pela criança e ir mais além. Necessita-se superar os papeis estereotipados, estabelecidos ao longo da história.Superar no sentido de explorar, conhecer e aceitar as exigências próprias do tempo atual,as demandas, as características e os “tempos” de cada filho em particular.

Quem disse que era uma tarefa fácil esta de ser pai?

Aprender e participar do ofício pode ser reconfortante para o homem que deseja ser pai. Ninguém nos obriga ou exige que sejamos pais. A paternidade é uma eleição e um compromisso; ainda que tenha sido fruto de uma irresponsabilidade.

Crescemos escutando que o pai é a lei, a autoridade, o limite,a moralidade, o provedor do lar.Às mães cabem, além do seio-alimento-afeto, a sensibilidade, o compromisso o estímulo, o apego e os vínculos.

Estabelece-se o duelo de sempre: masculino versus feminino. Uma dicotomia que se rompe quando entendemos que já passou de moda a “guerra dos sexos” e, que o quê precisamos buscar é a integração, para alcançarmos o melhor modelo de pais que se possa ter.

Vamos tentar articular as distintas teorias psicológicas. Apesar de cada qual ter seu foco em aspecto em particular, todas coincidem sobre a relevância do vinculo pai-filho!

As últimas investigações realizadas em torno do laço paterno, certificam que já nem todos os olhos estão exclusivamente voltados para o benefício seguro do apego mãe – filho. Os novos resultados assinalam, entre outra coisas, que “o pai tem as mesmas capacidades para criar um filho que uma mãe”; Que as crianças com pais altamente comprometidos se caracterizam por uma maior capacidade cognitiva, maior empatia,crenças sexuais menos estereotipadas e melhor capacidade de auto controle. Enfim, “quem maior contato teve com a figura paterna, maximizou suas capacidades e chegaram a atingir patamares mais elevados de competência.”

Os bebês que desde os primeiros meses de gestação gozam da influência paterna positiva, conseguem desenvolver maior autonomia e independência e manter laços significativos ao longo de sua vida.

O psiquiatra infantil James Herzog crê que a primeira seqüela que um pai ausente pode gerar em seus filhos, meninos ou meninas,é a dificuldade de controlar os níveis de agressividade.Segundo o autor, professor da Universidade Harvard, quem não teve um vinculo paterno seguro muito provavelmente não pode orientar suas pulsões e energia em torno de condutas produtivas e saudáveis. Neste sentido, os meninos tornam-se pessoas duras, rígidas e violentas.Enquanto as meninas passam a canalizar sua raiva de maneira auto destrutiva.

Muitos casos de adições, violência, delinqüência e outras condutas anti-sociais extremas têm fundamento nessa falta paterna.

Herzog defende também que uma das conseqüências desse pai ausente é o manejo com a própria sexualidade e os sentimentos sexuais. Aqui novamente difere as conseqüências para meninos e meninas. Os meninos que sofrem essa ausência tendem a desenvolver, mais tarde, fantasias homoeróticas.QUE É DIFERENTE DE SER HOMOSSEXUAL.Quanto maior for “a fome de pai”, maior é a possibilidade de encantamento e desejo por um mentor, treinador, professor, amigo próximo. E maior também é a possibilidade de sexualizar esses sentimentos. No caso das meninas, esta “fome” pode conduzir a um incremento no número de parceiros sexuais, porém com muito menos grau de satisfação.

Seria injusto deixar de reconhecer o trabalho de muitas mulheres que são única referencia em tantos lares mono parentais, típicos desses tempos.Acredita-se que tendo internalizado pai simbólico, representante das leis culturais, é possível alcançar sucesso no estabelecimento do necessário limite entre elas e seus filhos.

Mesmo na ausência do pai, é importante preservar a figura, lembrança, seja em caso de morte, de doença ou falta de habilitação para exercer seu papel. E evitar desqualificações diante dos filhos, mesmo que esse pai não possa ou não saiba cumprir sua responsabilidade e compromisso.

Os pais deveriam evitar expor seus filhos aos conflitos e duelos do mundo dos adultos.

Assim como herdamos as idéias e emoções dos nossos pais, também recebemos legados sobre estilo e formas particulares de vincularmo-nos e comunicarmo-nos com os outros. É tarefa do filho definir e aceitar seu pai, para poder eleger, reciclar ou descartar o modelo que se tenha herdado.

É importante saber que nosso cérebro e nossa vida podem ser flexíveis, tanto quanto desejarmos. Nesse sentido, devo destacar que mesmo que as carência ou ausências (materna ou paterna) possam ser determinantes, as experiências de vida nos ajudam a resignificar e decidir o que queremos ou necessitamos para nosso projeto de vida.

terça-feira, 5 de julho de 2011

É na terapia que a gente se entende

Por Cinthya Leite
Publicado na Revista JC em 02.01.2011

Cada uma com suas peculiaridades, psicanálise, psicodrama, bioenergética e psicoterapia cognitivo-comportamental são algumas das abordagens disponíveis para quem busca bem-estar

Nem sempre conseguimos lidar sozinhos com as nossas angústias, os nossos medos e até as verdades que nos circundam. O ano-bom que se inicia é uma boa oportunidade de abraçarmos uma reviravolta para alcançarmos o desejo de mudar interiormente. Se existem dificuldades para superarmos conflitos ou aprimorarmos o autoconhecimento, vale muito a pena recorrer a especialistas capazes de aliviar o sofrimento, a amargura, a ansiedade e vários outros sentimentos que desequilibram o bem-estar.
Um terapeuta também pode estender a mão a quem deseja apenas se conhecer melhor. Pessoas que têm dificuldades em ser assertivas, por exemplo, podem se transformar quando passam por sessões que mais parecem um bate-papo informal. Bom é que, cada vez mais isentas de cerimônias, essas conversas que oferecem equilíbrio afetivo conquistam pessoas de várias faixas etárias.

Talvez tanto desembaraço tenha sido fundamental para quebrar o gelo entre o terapeuta e o paciente. Diante desse cenário, é uma verdade dizer que o universo terapêutico está tão moderno e flexível que até mesmo o divã não é mais regra num consultório de psicanálise, a forma mais antiga de psicoterapia e desenvolvida por Freud nos primeiros anos do século 20.

“Há correntes que não são mais tradicionais ao extremo, embora continuem a valorizar a referência teórica deixada por Freud. Atualmente, há sessões baseadas numa abordagem que sofre variações de postura. E por isso, passamos a ter uma atitude mais ativa no contato com o paciente”, explica a psicóloga e psicanalista Maria Helena de Barros e Silva, do Centro de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem (CPPL).

De acordo com ela, qualquer tipo de terapia atuará na esfera emocional do indivíduo e analisará todos os aspectos que constituem os hábitos, a criação, a família, os aspectos sociais e a história de vida do paciente. “A nova psicoterapia psicanalítica não precisa, necessariamente, auxiliar quem passa por um momento de crise. É direcionada também às pessoas que desejam se conhecer melhor e pretendem mudar a forma de agir socialmente”, informa Maria Helena, que pede para abrirmos sempre os olhos diante da maneira como conduzimos nossas vidas. “Geralmente, a causa dos vários problemas está na forma como decidimos fazer parte do mundo.”

No CPPL, vale frisar, há o serviço de psicoterapia intensiva, caracterizado por abordagens terapêuticas pensadas e pesquisadas especificamente para crianças, adolescentes e suas famílias em grave sofrimento psíquico. “Trata-se de uma atuação interdisciplinar, que observa o paciente como um todo”, diz Maria Helena. Embora o foco desse tipo de terapia seja a geração infantojuvenil que passa por situações difíceis, os adultos que enfrentam condições obscuras também podem recorrer à psicoterapia intensiva, cujas sessões podem ser individuais ou grupais.

Em linhas gerais, todos os caminhos que permeiam a psicoterapia são indicados a quem deseja atingir um autoconhecimento ou àqueles que pretendem controlar transtornos mentais (também chamados, pelos especialistas, de psicopatologias) que têm como origem a ansiedade. A lista é imensa: depressão, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), estresse pós-traumático, transtorno afetivo bipolar, distúrbios alimentares, síndrome do pânico e outras fobias que podem ser controladas com os diversos tipos de terapias.

“O que marca a singularidade da psicanálise e da psicoterapia psicanalítica é o trabalho voltado para a causa dos sintomas, e não apenas para a remoção deles”, salienta o médico psicoterapeuta Dival Cantarelli. “Depressão, pânico, fobias, TOC e estresse são as mesmas neuroses teorizadas por Freud. Atualmente, contudo, essas psicopatologias estão manifestadas com uma embalagem contemporânea e, muitas vezes, diluída no campo social”, diz.

Assim como Maria Helena de Barros e Silva, ele sublinha que a psicanálise tem se atualizado em relação à detecção desses sintomas e distúrbios contemporâneos, sem perder de vista os fenômenos inconscientes. “Um psicanalista criativo e competente saberá ofertar ajuda para resolver uma situação atual aguda que necessita ser tratada com acolhimento”, ressalta Dival.

Segundo ele, é mito a ideia de que o benefício obtido através dessa terapêutica é percebido apenas a longo prazo. “Trata-se de um exercício clínico dinâmico e vivo.” Sobre a psicanálise atual, Dival é claro ao alegar que a ortodoxia cede lugar a um exercício clínico atualizado pelo desejo de se encontrar um alívio para o sofrimento psíquico num curto espaço de tempo.

ALTERNATIVA

Todas as psicopatologias já citadas anteriormente também podem ser trabalhadas através das técnicas da psicoterapia cognitivo-comportamental (PCC), que surgiu na década de 70 no Brasil, embora só tenha sido difundida nos anos 80. “Trata-se de uma abordagem terapêutica que ajuda o paciente a desenvolver uma coerência adequada entre seus sentimentos, pensamentos e comportamentos”, diz a psicóloga clínica Beneria Yace Donato.

A mira da PCC também é o sistema de crenças do paciente. Nesse sentido, o papel do especialista é promover uma reestruturação cognitiva. Na prática, uma pessoa que convive com o TOC é treinada a enfrentar obsessões sem realizar compulsões. Traduzindo: normalmente, ao chegar em casa, um indivíduo lava as mãos antes de sentar à mesa. Quem tem TOC lava as mãos várias e várias vezes para aliviar uma ideia irreal de que poderá se contaminar se não fizer a higiene de maneira compulsiva. Ao seguir os princípios da PCC, essa pessoa se empenha para enfrentar o imaginário sem praticar as repetições.

É um trabalho capaz de produzir um bom efeito, segundo Beneria, que atua nessa linha terapêutica há 15 anos. “As sessões são estruturadas, organizadas e dinâmicas. Pode ser necessária a utilização de instrumentos, anotações e preenchimentos de registros. Em alguns casos, o atendimento é realizado até fora do consultório”, informa Beneria. Pois é, a PCC também toma corpo além das quatro paredes da clínica. Através desse procedimento, o especialista consegue visualizar e analisar melhor as dificuldades do paciente no dia a dia.

Outro tipo de abordagem psicoterapêutica que faz uma avaliação do indivíduo sem se limitar ao divã é o psicodrama, que se sustenta em três pilares teóricos: a sociologia, a psicologia e o teatro. É o que garante a psicóloga e psicodramatista Mônica Caluete, diretora pedagógica e científica do Centro de Psicodrama e Sociodrama (CepsBrasil). De acordo com ela, a proposta dessa terapêutica é tratar os problemas no contexto em que eles acontecem.

PSICODRAMA

“Todos nós pertencemos a grupos e, dentro deles, podemos nos formar e nos deformar. Então, no momento de tratarmos as dificuldades, aproveitamos esse contexto para transformarmos doença em saúde”, fundamenta Mônica. Sobre o âmbito de ação do psicodrama, ela garante que é ilimitado, sem exigência de talentos ou capacidade específica dos participantes.

As sessões, segundo a especialista, podem ser realizadas em consultórios em que há espaço delimitado para o “palco” e materiais de cena como tecidos, máscaras e fantoches. “As indicações dessa abordagem terapêutica são variadas. Procuramos trabalhar com o potencial saudável do indivíduo e ajudar na promoção do encontro consigo e com os outros”, salienta Mônica.

Tão dinâmica quanto o psicodrama é a análise bioenergética, outro método que aposta em técnicas de intervenção corporal como forma de pôr em vigor a autoconsciência, o autodomínio e a autoexpressão. “Não trabalhamos apenas o conteúdo verbal trazido pelo paciente, mas também fazemos uma leitura corporal”, afirma a psicoterapeuta Grace Wanderley de Barros Correia, do Libertas.

No livro O corpo fala, conhecido por inúmeras gerações, já bem mostram os autores Roland Tompakow e Pierre Weil que é imenso o valor da comunicação não verbal. A partir desses princípios, aparecem expressões, gestos e atos corporais que revelam sentimentos, concepções e posicionamentos internos. Nessa linha, Grace dá ênfase à ideia de que o corpo dá muitos sinais importantes que ajudam o processo de escuta analítica. “Diante de uma situação de medo, por exemplo, passamos a ter uma respiração diminuída. Ao trabalharmos esses temores, é possível melhorar a inspiração e a expiração”, garante.

A propósito, embora as abordagens terapêuticas tenham traços peculiares, todas têm potenciais aceitos cientificamente para ajudar o ser humano a resgatar a autorregulação do organismo e a integração dos aspectos físicos, psíquicos e emocionais. Afinal, todos nós precisamos de equilíbrio entre corpo e mente para lidarmos sem neurose com nossas inquietudes. Como um terapeuta pode dar uma mãozinha na montagem de qualquer quebra-cabeça, não vamos adiar a procura pelo profissional que mais combina com a nossa personalidade e os nossos anseios. Com assistência terapêutica, é possível aproveitar o novo ano com mais determinação.

Revival: especialistas pontuam fatores de peso na decisão de casais em se dar nova chance

Por MÔNICA MELO
fonte: Folha de Pernambuco Digital

Viagens, de­cla­ra­ções, pla­nos, pre­sen­tes, cham­pa­nhe e flo­res. Seria esta, tal­vez, a con­for­ma­ção mais pró­xi­ma ao fa­mi­ge­ra­do “mar de rosas”. O que dizer, então, quan­do a tur­bu­lên­cia chega para um ao ouvir o com­pa­nhei­ro dar o ve­re­dic­to: “basta, não dá mais!”? Sob uma pers­pec­ti­va fria, resta, sim­ples­men­te, con­for­mar-se com o hiato de­fi­ni­ti­vo. Um qua­dro, pro­va­vel­men­te, mais com­ple­xo surge quan­do a pos­si­bi­li­da­de da volta exis­te. Especialistas des­do­bram, aqui, as con­di­ções bá­si­cas às quais os par­cei­ros devem ficar aten­tos ao se dis­po­rem ao re­vi­val.

A mé­di­ca Daniela Ferraz e o pu­bli­ci­tá­rio Thiago Almeida estão jun­tos há oito anos. Trajetória que in­clui uma la­cu­na de três meses de se­pa­ra­ção. Necessária, se­gun­do Daniela, para que o casal re­vis­se al­gu­mas ati­tu­des, como a pro­gra­ma­ção, na ro­ti­na an­ti­ga, de ho­rá­rios para se ligar ou se en­con­trar. “Hoje não exis­te tanta co­bran­ça, vol­ta­mos mais cúm­pli­ces, to­le­ran­tes, vimos o valor do que já havia sido cons­truí­do”, sin­te­ti­za a mé­di­ca. Já a uni­ver­si­tá­ria Karla Souza viveu um re­la­cio­na­men­to de idas e vin­das, ao longo de qua­tro anos. As ten­ta­ti­vas não foram su­fi­cien­tes, diz ela, para que o ex-par­cei­ro am­plias­se ho­ri­zon­tes pro­fis­sio­nais ou de­mons­tras­se maior en­vol­vi­men­to afe­ti­vo. “Não me ar­re­pen­do das in­ves­ti­das. Era mais cô­mo­do me man­ter com ele, não me ima­gi­na­va sem ele e, de fato, acre­di­ta­va na sua mu­dan­ça”, co­men­ta.

Para a psi­có­lo­ga Silvana Molina, ao se ha­bi­li­ta­rem a vol­tar, os en­vol­vi­dos pre­ci­sam estar dis­pos­tos a re­no­var, a en­xer­gar di­fe­ren­ças e de­sa­cor­dos como ele­men­tos co­muns à re­la­ção. É ne­ces­sá­rio, diz a es­pe­cia­lis­ta, apren­der a lidar com as fra­gi­li­da­des que de­ses­ta­bi­li­za­ram a vida a dois e par­tir para a re­cons­tru­ção, im­buí­do da pers­pec­ti­va de mu­dan­ça. “Os par­cei­ros não devem ficar pre­sos ao pas­sa­do, mas pre­pa­ra­dos para se rein­ven­tar e lidar com as co­bran­ças so­ciais e fa­mi­lia­res por­que nem todos os co­nhe­ci­dos do casal são fa­vo­rá­veis à volta”, acres­cen­ta a psi­co­te­ra­peu­ta Mônica Caluete, para a qual con­ve­niên­cia, pra­ti­ci­da­de ou eco­no­mia de es­for­ços não devem fi­gu­rar entre as mo­ti­va­ções dos com­pa­nhei­ros em uma even­tual re­con­ci­lia­ção.

Na visão da psi­co­te­ra­peu­ta Jacqueline Meireles, o dis­tan­cia­men­to, a rup­tu­ra, mui­tas vezes, pos­si­bi­li­tam que os en­vol­vi­dos re­co­nhe­çam o peso do outro para sua vida. No en­tan­to, o amor, tão so­men­te, não sus­ten­ta a re­to­ma­da da re­la­ção. É ne­ces­sá­rio aos par­cei­ros, pon­de­ra a es­pe­cia­lis­ta, ter afi­ni­da­de, olhar jun­tos em uma mesma di­re­ção, ter com­pa­ti­bi­li­da­de em ter­mos de ­ideais, pro­je­tos de vida. No caso de se­gui­rem jun­tos, sa­lien­ta Caluete que não é bem-vinda a co­bran­ça pelo par­cei­ro com re­la­ção aos pas­sos do outro du­ran­te a fase de se­pa­ra­ção. “A rein­ci­dên­cia de ati­tu­des ou sen­ti­men­tos cau­sa­do­res das di­ver­gên­cias e afas­ta­men­to do casal ser­vem para os en­vol­vi­dos re­pen­sa­rem a de­ci­são de vol­tar”, en­cer­ra Caluete.

Dor-de-cotovelo tem cura

Dor-de-cotovelo tem cura
Publicado na Revista JC do Jornal do Comércio em 17.08.2008
Por Bruna Cabral
bruna@jc.com.br


Dor-de-cotovelo é inevitável. E não é um diagnóstico raro. Atinge homens, mulheres, garotos e garotas, independentemente de orientação sexual,classe social e histórico familiar ou médico. Tão certo quanto o grude dos primeiros meses de relacionamento, o fim é sempre desastroso: tanto para quem decide partir, quanto para quem ainda
teima em ficar. Mas é inquestionavelmente pior ser abandonado. Quando ainda resta uma esperança de que as coisas melhorem ou falta coragem para
enfrentar a solteirice e seus domingos de ócio
solitário, o famoso – e indesejado – pé na bunda
machuca demais. Tanto que ninguém nunca se
acostuma a ele.
Com direito a longas conversas ou
subitamente, sem pistas, toda despedida leva
também um pedacinho de quem não foi. “Logo que
acontece, a gente fica achando que nada mais faz
sentido, que não vai conseguir ser feliz de novo.
Parece que o outro levou tudo da gente: sossego,
auto-estima, força, vaidade...”, diz uma ex que
prefere não se identificar, para evitar remexer na
história que a duras penas conseguiu enterrar,
“junto com a vontade de morrer”, brinca. Amigos,
familiares e uma saudade sufocante, conta, foram
seus companheiros mais fiéis naquele momento.
Também não faltaram trilhas sonoras melosas,
pijamas largos, olho inchado e faltas injustificadas
ao trabalho. “Não consegui evitar os clichês”, diz
Patrícia*.
Nem precisava. Apesar de cada um ter lá
suas estratégias para enfrentar uma desilusão
amorosa, os psicólogos garantem que admitir e
encarar a perda é a melhor maneira de superá-la de
fato. “A dor não deve ser tangenciada. A gente não
tem como sair de onde não entra”, diz a
psicoterapeuta Mônica Caluete. Segundo ela, a
terapia mais usada para curar dor-de-cotovelo “por
homens e mulheres, indistintamente” é a fuga. “As
pessoas nunca foram tão incapazes de lidar com
frustrações”, diz. E fazem de tudo para não ter que
carregar o pesado pacote delas que resulta de uma
separação. “Quando alguém finge que a dor não
existe, ela não passa, cronifica. E aí vira amargura
ou doença psicossomática.”
Mas nem tudo que vem à cabeça na hora da
dor é vontade de correr. Há alguns paliativos que
são utilizados instintivamente por quem está na
fossa e podem ajudar um bocado na via-crúcis até a
luz no fim do túnel. No meio desse fogo cruzado da
razão contra a emoção, a defesa adotada quase
sempre é mudar: a rotina, a decoração de casa, o
cabelo, a silhueta e tudo mais que for possível.
“Fazer novos amigos, sair para lugares novos, tudo
pode ser benéfico, desde que traga prazer ao
indivíduo e não o coloque em situação de risco”, diz
a psicóloga Danielle Diniz.
Para garantir uma recuperação mais rápida
e menos dolorosa possível, a jornalista Isabela
Barros mudou absolutamente tudo depois da partida
repentina do companheiro de 14 anos “e meio”.
“Namoramos 12 anos, casamos, mudamos de cidade
juntos, montamos o apartamento. E, de repente,
sem nem explicar direito por que, ele foi embora”,
lembra Isabela, 30. Na verdade, já esqueceu.
“Fiquei sem entender nada. Chorei, lamentei, mas
fiz questão de não deixar que uma pessoa abalasse
meu humor, nem minha relação com todas as
outras.” Desde que se separou, Isabela diz que
nunca foi tão simpática.
Nem tão bonita. Solteira há apenas quatro
meses, ela já perdeu oito quilos, mudou a cor do
cabelo, a decoração do apartamento e garante que
está felicíssima. “Foi a melhor coisa que poderia ter
acontecido. Pra que lamentar? Mesmo a pior das
situações pode tornar-se algo positivo. Depende da
gente”, diz Isabela, que já tem várias viagens
programadas para este ano.
A médica Carla *, 29, também escolheu a
poltrona do avião para sair do baixo-astral que
tomou conta dela quando seu namorado declarou-se
ex após quatro anos de relacionamento. “Fiquei
arrasada. Chorei, liguei, fiz tudo que achava que
devia. Mas um dia me dei conta de que precisava
seguir adiante.” E foi o que fez, literalmente. Pegou
um avião com um grupo de amigas e foi parar em
Fernando de Noronha. Alugou o ouvido alheio,
divertiu-se e voltou para casa muito mais leve.
“Divido aqueles meses em A.N. (antes de Noronha)
e D.N. (depois de Noronha)”, brinca. Depois de
Fernando de Noronha, Carla foi a Pipa, Porto Alegre,
São Paulo e Buenos Aires até que finalmente se
encontrou. “Hoje acho que sou uma pessoa muito
melhor que era com ele. Não tinha amigos, vivia em
função do namoro. Acho que todo fim ensina a
começar de outro jeito.”
E não está enganada, garantem os
psicólogos. Segundo Mônica Caluete, é a forma
como as pessoas vivem o relacionamento que vai
determinar a intensidade da dor ao final. “Uma
relação é para ser protagonizada por dois. Quando
alguém se anula, sofre muito mais quando precisa
voltar a viver sozinho.” Uma lição que a médica
Juliana*, 34, precisou de quatro desilusões “graves”
para aprender. “Hoje acho que não há como se
preparar para um relacionamento. Cada um é de um
jeito. Só não dá para se encher de cicatrizes e ficar
descrente ou diferente do que somos. O outro não
pode mudar a gente pra pior.”
Mas, em alguns casos, tenta. E conduz tão
mal o fim, que inviabiliza até a fossa. Foi o que
aconteceu com a administradora de empresas
Gabriela Barreto, 22. “Namorava há quatro anos
com uma pessoa que, mesmo morando a 15
minutos da minha casa, preferiu acabar o namoro
pela internet. Nem lamentei. A raiva me motivou a
nem sofrer”, conta.
Já no caso do músico Chico Tchê, 32, foi o
contrário: o carinho que sempre sentiu e ainda sente
pela ex-mulher foi o que o ajudou a ocupar a lacuna
enorme que ela deixou em sua vida, após 15 anos
de relacionamento. “Quando a gente percebeu,
tinha virado amigo.” Aí, oficializaram a situação. E,
como bons amigos, hoje se ajudam muito a encarar
a vida de solteiro. “Tive que reaprender a viver só.”
Além de sua ex, foi o trabalho que ajudou Chico a
superar a tristeza. “Dei um duro danado. Aí sobrou
dinheiro para um computador novo.” Que ele já
sabe: vai usar para trabalhar mais ainda.J
* Nomes fictícios