terça-feira, 5 de julho de 2011

É na terapia que a gente se entende

Por Cinthya Leite
Publicado na Revista JC em 02.01.2011

Cada uma com suas peculiaridades, psicanálise, psicodrama, bioenergética e psicoterapia cognitivo-comportamental são algumas das abordagens disponíveis para quem busca bem-estar

Nem sempre conseguimos lidar sozinhos com as nossas angústias, os nossos medos e até as verdades que nos circundam. O ano-bom que se inicia é uma boa oportunidade de abraçarmos uma reviravolta para alcançarmos o desejo de mudar interiormente. Se existem dificuldades para superarmos conflitos ou aprimorarmos o autoconhecimento, vale muito a pena recorrer a especialistas capazes de aliviar o sofrimento, a amargura, a ansiedade e vários outros sentimentos que desequilibram o bem-estar.
Um terapeuta também pode estender a mão a quem deseja apenas se conhecer melhor. Pessoas que têm dificuldades em ser assertivas, por exemplo, podem se transformar quando passam por sessões que mais parecem um bate-papo informal. Bom é que, cada vez mais isentas de cerimônias, essas conversas que oferecem equilíbrio afetivo conquistam pessoas de várias faixas etárias.

Talvez tanto desembaraço tenha sido fundamental para quebrar o gelo entre o terapeuta e o paciente. Diante desse cenário, é uma verdade dizer que o universo terapêutico está tão moderno e flexível que até mesmo o divã não é mais regra num consultório de psicanálise, a forma mais antiga de psicoterapia e desenvolvida por Freud nos primeiros anos do século 20.

“Há correntes que não são mais tradicionais ao extremo, embora continuem a valorizar a referência teórica deixada por Freud. Atualmente, há sessões baseadas numa abordagem que sofre variações de postura. E por isso, passamos a ter uma atitude mais ativa no contato com o paciente”, explica a psicóloga e psicanalista Maria Helena de Barros e Silva, do Centro de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem (CPPL).

De acordo com ela, qualquer tipo de terapia atuará na esfera emocional do indivíduo e analisará todos os aspectos que constituem os hábitos, a criação, a família, os aspectos sociais e a história de vida do paciente. “A nova psicoterapia psicanalítica não precisa, necessariamente, auxiliar quem passa por um momento de crise. É direcionada também às pessoas que desejam se conhecer melhor e pretendem mudar a forma de agir socialmente”, informa Maria Helena, que pede para abrirmos sempre os olhos diante da maneira como conduzimos nossas vidas. “Geralmente, a causa dos vários problemas está na forma como decidimos fazer parte do mundo.”

No CPPL, vale frisar, há o serviço de psicoterapia intensiva, caracterizado por abordagens terapêuticas pensadas e pesquisadas especificamente para crianças, adolescentes e suas famílias em grave sofrimento psíquico. “Trata-se de uma atuação interdisciplinar, que observa o paciente como um todo”, diz Maria Helena. Embora o foco desse tipo de terapia seja a geração infantojuvenil que passa por situações difíceis, os adultos que enfrentam condições obscuras também podem recorrer à psicoterapia intensiva, cujas sessões podem ser individuais ou grupais.

Em linhas gerais, todos os caminhos que permeiam a psicoterapia são indicados a quem deseja atingir um autoconhecimento ou àqueles que pretendem controlar transtornos mentais (também chamados, pelos especialistas, de psicopatologias) que têm como origem a ansiedade. A lista é imensa: depressão, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), estresse pós-traumático, transtorno afetivo bipolar, distúrbios alimentares, síndrome do pânico e outras fobias que podem ser controladas com os diversos tipos de terapias.

“O que marca a singularidade da psicanálise e da psicoterapia psicanalítica é o trabalho voltado para a causa dos sintomas, e não apenas para a remoção deles”, salienta o médico psicoterapeuta Dival Cantarelli. “Depressão, pânico, fobias, TOC e estresse são as mesmas neuroses teorizadas por Freud. Atualmente, contudo, essas psicopatologias estão manifestadas com uma embalagem contemporânea e, muitas vezes, diluída no campo social”, diz.

Assim como Maria Helena de Barros e Silva, ele sublinha que a psicanálise tem se atualizado em relação à detecção desses sintomas e distúrbios contemporâneos, sem perder de vista os fenômenos inconscientes. “Um psicanalista criativo e competente saberá ofertar ajuda para resolver uma situação atual aguda que necessita ser tratada com acolhimento”, ressalta Dival.

Segundo ele, é mito a ideia de que o benefício obtido através dessa terapêutica é percebido apenas a longo prazo. “Trata-se de um exercício clínico dinâmico e vivo.” Sobre a psicanálise atual, Dival é claro ao alegar que a ortodoxia cede lugar a um exercício clínico atualizado pelo desejo de se encontrar um alívio para o sofrimento psíquico num curto espaço de tempo.

ALTERNATIVA

Todas as psicopatologias já citadas anteriormente também podem ser trabalhadas através das técnicas da psicoterapia cognitivo-comportamental (PCC), que surgiu na década de 70 no Brasil, embora só tenha sido difundida nos anos 80. “Trata-se de uma abordagem terapêutica que ajuda o paciente a desenvolver uma coerência adequada entre seus sentimentos, pensamentos e comportamentos”, diz a psicóloga clínica Beneria Yace Donato.

A mira da PCC também é o sistema de crenças do paciente. Nesse sentido, o papel do especialista é promover uma reestruturação cognitiva. Na prática, uma pessoa que convive com o TOC é treinada a enfrentar obsessões sem realizar compulsões. Traduzindo: normalmente, ao chegar em casa, um indivíduo lava as mãos antes de sentar à mesa. Quem tem TOC lava as mãos várias e várias vezes para aliviar uma ideia irreal de que poderá se contaminar se não fizer a higiene de maneira compulsiva. Ao seguir os princípios da PCC, essa pessoa se empenha para enfrentar o imaginário sem praticar as repetições.

É um trabalho capaz de produzir um bom efeito, segundo Beneria, que atua nessa linha terapêutica há 15 anos. “As sessões são estruturadas, organizadas e dinâmicas. Pode ser necessária a utilização de instrumentos, anotações e preenchimentos de registros. Em alguns casos, o atendimento é realizado até fora do consultório”, informa Beneria. Pois é, a PCC também toma corpo além das quatro paredes da clínica. Através desse procedimento, o especialista consegue visualizar e analisar melhor as dificuldades do paciente no dia a dia.

Outro tipo de abordagem psicoterapêutica que faz uma avaliação do indivíduo sem se limitar ao divã é o psicodrama, que se sustenta em três pilares teóricos: a sociologia, a psicologia e o teatro. É o que garante a psicóloga e psicodramatista Mônica Caluete, diretora pedagógica e científica do Centro de Psicodrama e Sociodrama (CepsBrasil). De acordo com ela, a proposta dessa terapêutica é tratar os problemas no contexto em que eles acontecem.

PSICODRAMA

“Todos nós pertencemos a grupos e, dentro deles, podemos nos formar e nos deformar. Então, no momento de tratarmos as dificuldades, aproveitamos esse contexto para transformarmos doença em saúde”, fundamenta Mônica. Sobre o âmbito de ação do psicodrama, ela garante que é ilimitado, sem exigência de talentos ou capacidade específica dos participantes.

As sessões, segundo a especialista, podem ser realizadas em consultórios em que há espaço delimitado para o “palco” e materiais de cena como tecidos, máscaras e fantoches. “As indicações dessa abordagem terapêutica são variadas. Procuramos trabalhar com o potencial saudável do indivíduo e ajudar na promoção do encontro consigo e com os outros”, salienta Mônica.

Tão dinâmica quanto o psicodrama é a análise bioenergética, outro método que aposta em técnicas de intervenção corporal como forma de pôr em vigor a autoconsciência, o autodomínio e a autoexpressão. “Não trabalhamos apenas o conteúdo verbal trazido pelo paciente, mas também fazemos uma leitura corporal”, afirma a psicoterapeuta Grace Wanderley de Barros Correia, do Libertas.

No livro O corpo fala, conhecido por inúmeras gerações, já bem mostram os autores Roland Tompakow e Pierre Weil que é imenso o valor da comunicação não verbal. A partir desses princípios, aparecem expressões, gestos e atos corporais que revelam sentimentos, concepções e posicionamentos internos. Nessa linha, Grace dá ênfase à ideia de que o corpo dá muitos sinais importantes que ajudam o processo de escuta analítica. “Diante de uma situação de medo, por exemplo, passamos a ter uma respiração diminuída. Ao trabalharmos esses temores, é possível melhorar a inspiração e a expiração”, garante.

A propósito, embora as abordagens terapêuticas tenham traços peculiares, todas têm potenciais aceitos cientificamente para ajudar o ser humano a resgatar a autorregulação do organismo e a integração dos aspectos físicos, psíquicos e emocionais. Afinal, todos nós precisamos de equilíbrio entre corpo e mente para lidarmos sem neurose com nossas inquietudes. Como um terapeuta pode dar uma mãozinha na montagem de qualquer quebra-cabeça, não vamos adiar a procura pelo profissional que mais combina com a nossa personalidade e os nossos anseios. Com assistência terapêutica, é possível aproveitar o novo ano com mais determinação.

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